

Quando descobri que o tricô era muito mais que um casaco quentinho
Em primeiro lugar, eu cresci em meio a tias tricoteiras, mulheres hábeis que transformavam fios em arte. Então, sempre soube que tricô não era coisa que cheirava a naftalina e era usada só no inverno, de preferência em tons neutros. E desde de que conheci peças feitas à mão me apaixonei. Com pontos estreitos ou largos e textura envolvente, quando vesti, percebi que aquela peça contava uma história. Não era só roupa. Era afeto tecido.
A partir dali, o tricô se tornou parte do meu olhar de moda. Descobri que ele é uma revolução silenciosa: feminino, ancestral, versátil e incrivelmente atual. É sobre tempo, cuidado, identidade. E é sobre estilo com alma.
Um fio que atravessa séculos
Assim, o tricô, diferente do que muitos pensam, tem raízes profundas. Existem registros de técnicas semelhantes ao tricô desde o Egito Antigo. Mas foi na Idade Média, na região da Península Ibérica, que ele começou a ganhar estrutura como o conhecemos hoje — com agulhas e fios entrelaçados para criar tecidos flexíveis.
No século XIV, tricotar já era uma profissão masculina respeitada. Homens! Pois é. Só mais tarde o tricô foi associado ao feminino, principalmente durante as guerras, quando as mulheres passaram a tricotar roupas para soldados e crianças. Daí, o ponto a ponto virou símbolo de resistência, carinho e esperança.

Hoje, cada peça de tricô ainda carrega um pouco disso tudo: história, memória, cuidado manual. E quando visto uma peça tricotada, é como se me conectasse com todas essas mulheres que, com seus fios e agulhas, mantiveram a arte viva.
Tricô manual: o tempo bordado em silêncio
Tricotar à mão é uma arte meditativa. O som das agulhas, o ritmo dos pontos, o cheiro da lã. Eu mesma arrisquei aprender, e foi como abrir uma porta para outra dimensão. Nada de imediatismo. O tricô exige presença. Um casaco pode levar dias, um cachecol pode durar semanas. Mas cada centímetro tricotado carrega a marca do tempo investido.
Existe algo quase mágico no fato de que, com apenas dois palitos e um fio, é possível criar uma peça de vestir. É como se nossas mãos, ancestrais e modernas ao mesmo tempo, ainda soubessem segredos que a tecnologia não pode replicar.
E o mais lindo? Cada erro se transforma. Se um ponto escapa, a gente refaz. Não há desespero, há reinício. O tricô me ensinou paciência, desapego e a beleza do imperfeito. E, quando alguém me pergunta “onde você comprou essa blusa?”, adoro responder: “essa foi tricotada.”

Variações que abraçam todos os estilos
O tricô não é mais apenas lã e cachecol. Ele se reinventou de forma surpreendente. Temos agora o tricô leve, feito de algodão, ideal para climas amenos. Temos o crochê, irmão do tricô, com sua agulha única e pontos mais abertos, perfeito para vestidos de verão ou saídas de praia cheias de charme retrô.
Existe o tricô industrial, com máquinas que produzem peças em escala, mas ainda assim com uma estética artesanal, e o tricô 3D, usado até na moda futurista. Tem o tricô colorido, o minimalista, o oversized, o sexy, o romântico. Tem peça para todas as idades, corpos, estações e humores.
Eu mesma tenho uma blusa de tricô laranja que uso com jeans, blusas de manga longa que vão bem com alfaiataria e jaqueta branca tricotada à mão que parece escultura no corpo. A textura do tricô transforma qualquer look básico em algo mais… sensorial. É roupa que pede toque. https://www.youtube.com/shorts/ga3YR2_hQx4
Tricotar é político, sim
Quando escolho usar ou fazer tricô, estou fazendo uma escolha política. Estou valorizando o tempo, a mão de obra, o processo lento. Em um mundo de fast fashion, onde tudo é descartável e massificado, vestir tricô é um ato de resistência. É dizer: eu valorizo o feito à mão. Eu me importo com quem faz. Eu visto histórias, não só tendências.

Também é sobre romper estereótipos. Quem disse que tricô é coisa de senhora? As novas gerações estão reinventando essa arte com cores vibrantes, modelagens ousadas e técnicas contemporâneas. Vejo meninas de 20 anos vendendo seus tops tricotados no Instagram, homens criando marcas autorais, avós ensinando netas e netos em rodas de afeto. Isso é revolução.
E é bonito demais.
O tricô na moda contemporânea
Não é à toa que grandes grifes como Chanel, Missoni, Stella McCartney e Isabel Marant usam e abusam do tricô em suas coleções. A Missoni, aliás, construiu um império em cima das tramas coloridas e geométricas. A mensagem é clara: o artesanal nunca sai de moda. Pelo contrário, ele dá o tom da exclusividade e da personalidade.
Aqui no Brasil, designers autorais também estão resgatando o tricô com nova linguagem. Peças que antes eram tidas como “roupa de avó” agora desfilam nas ruas, nas semanas de moda, nas redes sociais com orgulho. E eu? Eu celebro cada uma delas como se fossem minhas.

O tricô que herdei e o que vou deixar
Minha tia me deu uma jaqueta de tricô branca, feita por ela. É linda, sim. Mas mais do que isso: tem cheiro de memória, textura de abraço. Quando estou com frio, ela é a melhor. E, quando sinto saudade, é ela que visto.
Isso me fez pensar que quero deixar peças assim também. Quero tricotar para minha filha, minhas amigas, quem sabe para minhas clientes. Quero que alguém, um dia, use algo que eu mesma fiz com as mãos e pense: “isso foi feito com amor”.
Porque no fim das contas, é isso que o tricô representa pra mim. Não é só moda. É afeto entrelaçado. também tempo transformado em cuidado. É a roupa que, antes de vestir o corpo, aquece o coração.
Tramas que me transformaram
Hoje, sempre que vejo uma peça de tricô, não penso só no estilo — penso na história por trás. Penso nas mãos que criaram, no tempo que levaram, no carinho depositado em cada ponto. Penso também em mim, na pessoa de hoje, que aprendeu que o que a gente veste pode — e deve — ter alma.
O tricô me transformou sem pressa, assim como ele mesmo se forma: ponto por ponto, linha por linha. E talvez por isso ele tenha se tornado tão essencial no meu guarda-roupa e na minha vida.

Se você ainda vê o tricô como algo do passado, te convido a olhar de novo. Pode ser que você descubra, como eu, que dentro daquela blusa simples mora uma revolução. Uma revolução macia, quente, cheia de cor e sentimento.
E se, ao vestir, você se sentir mais abraçada do que vestida… então você entendeu tudo.
E aí, que tal começar seu próprio ponto? Ou quem sabe vestir um pouco mais de afeto tricotado?
Vamos juntas resgatar o valor das mãos, do tempo e da moda com história.
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